domingo, 3 de agosto de 2014

A mudança do modelo da perícia criminal

Como a autonomia pode tornar o Brasil mais seguro

Bruno Telles*
No Brasil, o modelo de segurança pública não supre as necessidades da nossa população, além de estar na contramão dos modelos adotados em outros países. Convivemos diariamente com a violência e com crimes não solucionados. A prévia do Mapa da Violência 2014 e o recente estudo da ONU comprovam em números. Mais de 10% dos homicídios do mundo acontecem em um país sem guerra declarada: o Brasil. Outra preocupação é a impunidade. De 100 casos, apenas oito são resolvidos.
Os investimentos financeiros são importantes, contudo, a melhoria da segurança e do serviço oferecido à população não se resume ao aumento de viaturas ou à ampliação do quadro de funcionários. A melhoria é uma combinação de fatores, como a remodelação das atividades de segurança pública e do processo da persecução penal. Nesse ínterim, a autonomia do órgão pericial influencia diretamente na qualidade e quantidade da prova material – é um requisito mandatório para diminuirmos a impunidade.
Vale ressaltar que não existe um número ideal de peritos por habitante, mas nos últimos anos essa relação melhorou de um profissional para cada 46 mil habitantes para um perito a cada 38 mil habitantes.
A autonomia é um dos passos para que a sociedade tenha uma perícia criminal mais eficiente e ágil. Nos estados em que a unidade oficial de perícia está vinculada à Polícia Civil, quando um crime ou acidente ocorre, é preciso a requisição de uma autoridade policial para a chegada do perito. Esse procedimento pode durar em média duas horas. É um intervalo longo para o cidadão e um intervalo que pode comprometer a investigação. É desejável que a cena seja preservada e o tempo de espera pode propiciar a entrada de curiosos, que trazem outros elementos ao local (pegadas, fios de cabelo entre outros) e prejudicar o trabalho do perito.
A perícia autônoma, por ter uma estrutura administrativa e técnica própria, pode ser mais eficiente, anula as interferências e evita a condenação de inocentes, que também é um papel da perícia, pois não buscamos apenas os culpados. O perito desempenha uma função científica que precisa estar afastada de certas interferências, como a influência política ou de conceitos preestabelecidos pela investigação.
A desvinculação pode ser feita pelo chefe do Poder Executivo local. Rio Grande do Sul, Paraná e Amapá são alguns estados que experimentam essa realidade. Mesmo a autonomia sendo possível por uma determinação do poder local, buscamos a aprovação da Proposta de Ementa à Constituição 325/09, e da apensada PEC 499/10. Mas, por quê?
A inclusão da perícia na Constituição federal propicia o surgimento de uma legislação mais moderna e afasta possíveis questionamentos da validade da desvinculação.
Sabemos que, para proteger a nossa democracia, a alteração na lei maior segue um grande rito. O momento dentro da Comissão Especial, criada para analisar a proposta, é de debate e audiências públicas. Elas abriram espaço para que diversas vozes compartilhem experiências com os deputados e com a sociedade brasileira.
Ao visitar os estados autônomos, ao ouvir os colegas desses locais e ao estudar os modelos de outros países, enxergamos a autonomia como uma solução viável e real para combater a criminalidade e aumentar a taxa de resolução de crimes. É preciso que os setores da nossa sociedade percebam que a valorização da perícia gera um benefício ao policial, ao juiz e ao cidadão.

* Bruno Telles é presidente da Associação Brasileira de Criminalística.

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